LUCIANA RENATA RONDINA STEFANONI
(orientadora)
RESUMO: O presente trabalho tem como objetivo principal contribuir nas análises sobre a efetiva aplicação do direito à saúde, compreendendo os direitos fundamentais que estão intrinsecamente relacionados às garantias que devem ser viabilizadas pelo Estado, tendo como foco principal os princípios da reserva do possível e do mínimo existencial, associados com a pandemia atual de COVID-19. Pretende-se abranger as deficiências do Poder Público devido à carência de orçamentos, no que se refere à saúde desde sempre, especialmente nos dias atuais em que a pandemia ocasionou grandes proporções de procura, versando elucidar a insuficiência de recursos e como o Estado está procedendo mediante este cenário. O método adotado ao presente trabalho foi o hipotético-dedutivo, sendo usado como base da pesquisa, doutrinas, artigos acadêmicos e análise de casos existentes. Posteriormente, foi realizado um estudo sobre como o Estado assegura que não há recursos para o auxílio da população, mas em contrapartida há princípios e fundamentos que garantem uma vida digna para qualquer cidadão, bem como uma análise relacionada ao direito à saúde estabelecido na Constituição Federal, garantido por diversos princípios. Foi possível concluir que, embora o direito à saúde seja dever do Estado, não há como empregá-lo indistintamente, em razão do limite orçamentário.
Palavras-chave: COVID-19. Constituição Federal. Saúde. Princípios.
ABSTRACT: The present work aims to contribute to the analysis of the effective application of the right to health, including the fundamental rights that are intrinsically related to the guarantees that must be made possible by the State, focusing on the principles of the reserve of the possible and the existential minimum associated with the current covid-19 pandemic. It is intended to cover the deficiencies of the public power due to the lack of budgets, regarding health, especially in the present day when the pandemic caused great proportions of demand, verifying elucidating the insufficiency of resources and how the state is proceeding through this scenario. The method adopted to the present work was the hypothetical-deductive, being used as a basis for research, doctrines, academic articles and existing case analysis. Subsequently, a study was conducted on how the state ensures that there are no resources for the help of the population, but on the other hand there are principles and foundations that guarantee a decent life for any citizen, as well as an analysis related to the right to health established in the Federal Constitution , guaranteed by several principles. It was concluded that while the right to health is the duty of the State, there is no way to employ it indistinctly, due to the budget limit.
Keywords: Covid-19. Federal Constitution. Health. Principles.
SUMÁRIO: 1 Introdução. 2 Direitos Fundamentais. 3 Direito à saúde. 4 Princípio da reserva do possível. 5 Princípio do mínimo existencial. 6 Conclusão. 7 Referências.
1 INTRODUÇÃO
O presente trabalho tem como objetivo colaborar com a análise do direito fundamental à saúde, verificando a sua aplicação, sob a perspectiva dos princípios da reserva do possível do mínimo existencial, associados com a pandemia atual de COVID-19, intrinsicamente ligados às garantias que devem ser fornecidas pelo Estado.
Pretende-se evidenciar que, diante das deficiências nos serviços públicos de saúde do nosso país, é evidente que em razão da pandemia houve um aumento significativo da busca ao direito à saúde, gerando efeitos degradantes à economia, provocando um número expressivo de pessoas em situações de vulnerabilidade econômica e social.
É visível as diversas consequências da pandemia no âmbito do direito à saúde que, apesar de garantido constitucionalmente, sofre problemas práticos de efetivação. À vista da falta de orçamentos, a atuação do Estado fica limitada para a execução dos direitos fundamentais e sociais, devendo ser preservado os princípios do mínimo existencial e da reserva do possível.
O fator financeiro é uma dificuldade encontrada, tendo em vista que o Estado não consegue cumprir com seus deveres, não podendo ultrapassar os limites orçamentários. Diante disso, exige-se a necessidade de fazer escolhas, com embasamento no princípio da reserva do possível, sempre verificando necessidade-possibilidade.
O método empregado ao presente trabalho foi o hipotético-dedutivo, o qual dispõe hipóteses e verifica a legitimidade ou não destas possibilidades por dedução e se as suas conclusões lógicas estão ligadas com os dados observados.
O trabalho analisa a saúde, que é um direito positivado na Constituição Federal de 1988, sendo garantida através de políticas sociais e econômicas, objetivando a disponibilização de tratamentos médicos, medicamentos, vagas em hospitais, entre outros recursos que preservem a vida e a dignidade da pessoa humana, sendo direito de todos e um dever do Estado, obedecendo os direitos fundamentais.
No entanto, a proteção constitucional por si só não é eficaz para garantir à todos o direito à saúdo, tendo em vista que há um número crescente de demandas judiciais para o fornecimento de assistência à saúde.
O direito à saúde trata-se de um direito prestacional do Estado, que requer a utilização de recursos públicos, os quais são finitos e exigem escolhas significativas por parte dos administradores públicos, para a distribuição desses serviços.
A Constituição Federal abrange diversas diretrizes envolvendo a saúde, sendo um assunto muito importante desde sempre, especialmente no ano de 2020 diante do cenário pandêmico mundial. A COVID-19 apresentou diversos desafios à todos os países, que provocou um enorme colapso do sistema de saúde, principalmente o Brasil que não provém de recursos suficientes para tal pandemia que se perdura até hoje.
Dessa forma, concluiu-se que apesar do direito à saúde ser um dever do Estado, constitucionalmente garantido, há algumas situações que não se deve aplicá-lo indistintamente, visto que o Poder Público está resguardado por limites orçamentários, em razão das necessidades da população aos demais direitos, como por exemplo a educação, alimentação, segurança, transporte, dentre outros.
2 DIREITOS FUNDAMENTAIS
No Título II da Constituição Federal de 1988 estão estabelecidos os Direitos e Garantias Fundamentais, sendo eles baseados nos princípios dos direitos humanos, assegurando a saúde, a vida, a igualdade, a educação, dentre outros. São subdivididos em três núcleos: 1- Direitos individuais e coletivos; 2- Direitos sociais e da nacionalidade; e 3- Direitos políticos.
Consistem em direitos fundamentais de primeira geração os direitos e garantias individuais e políticos, as liberdades públicas. A segunda geração caracteriza-se pelos direitos sociais, culturais e econômicos. Por fim, são direitos da terceira geração a solidariedade ou a fraternidade, à paz, à autodeterminação dos povos, a um meio ambiente equilibrado, uma qualidade de vida saudável, entre outros.
Dessa forma, a saúde está inserida como direito fundamental da segunda geração, tendo o indivíduo direito e prestações positivas que podem ser exigidas do Estado. A assistência à saúde é promovida e realizada pelo Estado mediante ação integrada, conforme estabelecida na Lei 8.080/90, em um sistema único, de forma hierarquizada e regionalizada.
Os direitos fundamentais estão intrinsecamente ligados com as garantias que devem ser fornecidas pelos Estados, cujo intuito indispensável é o respeito à dignidade com o amparo do poder estatal e a garantia de mínimas condições de vida. São direitos que possibilitam o indispensável para uma vida justa e digna.
O objetivo dos direitos fundamentais é restringir o poder do Estado perante a população, impedindo que o Poder Público exceda o seu poder de forma desumana.
Segundo CANOTILHO, cabe aos direitos fundamentais:
[...] a função de direitos de defesa dos cidadãos sob uma dupla perspectiva: (1) constituem, num plano jurídico-objetivo, normas de competência negativa para os poderes públicos, proibindo fundamentalmente as ingerências destes na esfera jurídica individual; (2) implicam, num plano jurídico-subjetivo, o poder de exercer positivamente direitos fundamentais (liberdade positiva) e de exigir omissões dos poderes públicos, de forma a evitar agressões lesivas por parte dos mesmos (liberdade negativa). (1993, p. 541)
Para José Afonso da Silva, a expressão direitos fundamentais do homem significa:
[...] além de referir-se a princípios que resumem a concepção do mundo e informam a ideologia política de cada ordenamento jurídico, é reservada para designar, no nível do direito positivo, aquelas prerrogativas e instituições que ele concretiza em garantias de uma convivência digna, livre e igual de todas as pessoas. No qualificativo fundamentais acha-se a indicação de que se trata de situações jurídicas sem as quais a pessoa humana não se realiza, não convive, e às vezes, nem mesmo sobrevive; fundamentais do homem no sentido de que a todos, por igual, devem ser, não apenas formalmente reconhecidos, mas concreta e materialmente efetivados. Do homem, não como macho da espécie, mas no sentido de pessoa humana. Direitos fundamentais do homem significa direitos fundamentais da pessoa humana ou direitos fundamentais. (SILVA, 2008, p. 178)
Os direitos fundamentais são classificados como direitos subjetivos, sendo ou não positivados no texto constitucional, aplicando-se a relações entre pessoas e o Estado.
Em 1789 foi o primeiro marco na formação de direitos e garantias fundamentais para a existência de uma vida digna, a qual foi criada a Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão, visto que foi a primeira vez que se foi cogitada a elaboração de direitos universais, que dessem garantias mínimas para a existência humana em sociedade.
O artigo 5º da Constituição Federal estabelece cinco direitos fundamentais que são basilares para a formação dos demais e para todo o ordenamento jurídico:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade [...] (BRASIL, 1988)
Destaca-se que os direitos acima elencados, sendo eles, saúde, liberdade, igualdade, segurança e propriedade são a base para os direitos fundamentais da Carta Magna. A inviolabilidade desses direitos mantém a garantia entre a relação do indivíduo e o Estado.
O direito à vida é o direito fundamental mais importante para a existência do cidadão em sociedade, tendo em vista que não se leva em consideração apenas a garantia do direito sobre a própria vida e sua existência. Cada indivíduo deve viver de forma digna, garantindo a integridade física e moral.
Em seu livro de Direito Constitucional, Paulo Gustavo Gonet Branco descreve o direito à vida como:
A existência humana é o pressuposto elementar de todos os demais direitos e liberdades disposto na Constituição e que esses direitos têm nos marcos da vida de cada individuo os limites máximos de sua extensão concreta. O direito a vida é a premissa dos direitos proclamados pelo constituinte; não faria sentido declarar qualquer outro se, antes, não fosse assegurado o próprio direito estar vivo para usufruí-lo. O seu peso abstrato, inerente à sua capital relevância, é superior a todo outro interesse. (BRANCO, 2010, p. 441)
Nesse mesmo sentido, TAVARES destaca:
É o mais básico de todos os direitos, no sentido de que surge como verdadeiro pré-requisito da existência dos demais direitos consagrados constitucionalmente. É, por isto, o direito humano mais sagrado. (2010, p. 569)
Em função do princípio da dignidade humana e do direito à vida, são propostas inúmeras ações com o propósito de assegurar determinada prestação na área da saúde.
Independentemente de qualquer ato legislativo ou de previsão orçamentária, o Estado tem a obrigação de determinar as ações e serviços públicos de saúde, a aplicabilidade direta e imediata dos direitos individuais e sociais, conforme estabelecido no §1º do artigo 5º da Constituição Federal.
No entanto, em relação aos direitos sociais, deve-se levar em consideração que a prestação devida pelo Poder Público varia de acordo com as necessidades inerentes à cada um. Desse modo, além dos custos envolvidos com os gastos gerais do direito à saúde inteiramente garantidos, ocorrerá uma distinta soma indispensável para garantir as particularidades de cada cidadão.
Apesar dos direitos sociais implicarem em prestações positivas e negativas, as suas exigem o emprego de recursos públicos para sua garantia. Tendo em vista a escassez dos recursos financeiros do Estado para a efetivação de todas as necessidades sociais, é preciso implementar políticas que preservem escolhas baseando-se em critérios de justiça equitativa.
3 DIREITO À SAÚDE
3.1 Conceito
Há diversos direitos fundamentais que estão previstos na Constituição Federal de 1988, dentre eles o da saúde está entre os mais discutidos no campo acadêmico, especialmente nos dias atuais, devido ao enfrentamento da pandemia mundial decorrente da COVID-19, que se perdura há mais de um ano.
O direito à saúde foi introduzido no título reservado à ordem social da Constituição Federal, que tem como finalidade a justiça social e o bem-estar da população. Todavia já em seu artigo 6°, no capítulo II, dos direitos sociais, a saúde foi mencionada, sendo estabelecido que:
Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. (BRASIL, 1988)
Posteriormente, no seu artigo 196, está descrito que:
Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação. (BRASIL, 1988)
Nessa perspectiva, ressalta-se a exigência de uma atuação ativa do Poder Público em favor dos menos beneficiados e das áreas economicamente mais debilitadas.
Em capítulo próprio na Constituição Federal, dentre os direitos sociais, o constituinte elegeu o direito à saúde como de especial relevância, demonstrando o cuidado e atenção que teve com o bem jurídico acima mencionado. Dessa forma, devido a ligação do direito à saúde com o direito à vida, é visível o amparo constitucional à dignidade da pessoa humana, tendo uma proteção jurídica diferenciada.
Em virtude da proteção constitucional à saúde, foi imposto ao Estado a responsabilidade de tornar disponível e acessível para a população um tratamento que possa garantir a cura de uma doença ou uma melhor qualidade de vida.
Destaca-se que no artigo 196 acima descrito, foi adotado um conceito vasto de saúde, atribuindo ao Estado o dever de desenvolver medidas econômicas e sociais que viabilizem o acesso igualitário e universal à saúde.
Consequentemente, é claro o dever do Estado de criar órgãos qualificados para atuarem na assistência das garantias e procedimentos pertinentes à proteção dos direitos, ou seja, é obrigação do nosso país efetivar o direito à saúde dos cidadãos, como direito de todos, inclusive estrangeiros, seja por tratados internacionais dos Direitos Humanos ou pelo respeito ao princípio da dignidade humana, dando acesso universal à remédios, tratamentos, consultas e todos os serviços de saúde.
As divergências quanto ao campo de proteção da norma constitucional do direito à saúde desdobram-se, principalmente, da natureza prestacional desse direito e da necessidade de harmonização entre o mínimo existencial e a reserva do possível.
Entende-se dessa forma, que o direito à saúde pode ter função dupla:
Tanto como um direito de defesa (proteção do Estado à integridade corporal das pessoas contra agressões de terceiros, por exemplo), quanto como um direito positivo (impondo ao Estado a realização de políticas públicas buscando sua efetivação, tais como atendimento médico e hospitalar, por exemplo), e ambas as dimensões demandam o emprego de recursos públicos para a sua garantia. (OHLAND, 2010, p. 31)
Em sua obra, TAVARES mencionou:
Com muita pertinência observa Julio César de Sá Rocha: A conceituação da saúde deve ser entendida como algo presente: a concretização da sadia qualidade de vida. Uma vida com dignidade. Algo a ser continuamente afirmado diante da profunda miséria por que atravessa a maioria da nossa população. Consequentemente a discussão e a compreensão da saúde passa pela afirmação da cidadania plena e pela aplicabilidade dos dispositivos garantidores dos direitos sociais da Constituição Federal. (2020, p. 927)
Sendo assim, fica evidente que o direito à saúde está diretamente relacionado com a dignidade da pessoa humana, devendo o Estado garantir e assegurar o mínimo básico para o indivíduo viver, sempre havendo o direito à igualdade.
3.2 Do sistema único de saúde (SUS)
A Constituição Federal de 1988 prevê o Sistema Único de Saúde (SUS), disposto em seu artigo 200:
Art. 200. Ao sistema único de saúde compete, além de outras atribuições, nos termos da lei: I - controlar e fiscalizar procedimentos, produtos e substâncias de interesse para a saúde e participar da produção de medicamentos, equipamentos, imunobiológicos, hemoderivados e outros insumos; II - executar as ações de vigilância sanitária e epidemiológica, bem como as de saúde do trabalhador; III - ordenar a formação de recursos humanos na área de saúde; IV - participar da formulação da política e da execução das ações de saneamento básico; V - incrementar, em sua área de atuação, o desenvolvimento científico e tecnológico e a inovação; VI - fiscalizar e inspecionar alimentos, compreendido o controle de seu teor nutricional, bem como bebidas e águas para consumo humano; VII - participar do controle e fiscalização da produção, transporte, guarda e utilização de substâncias e produtos psicoativos, tóxicos e radioativos; VIII - colaborar na proteção do meio ambiente, nele compreendido o do trabalho. (BRASIL, 1988)
Antes disso, o sistema público atendia somente uma parcela limitada da população, sendo prestado atendimento apenas aos trabalhadores vinculados à Previdência Social, em regra, pessoas com vínculo empregatício, o restante apelava ao setor privado ou entidades. Desta maneira, a Constituição Federal foi um marco histórico, que independente de contribuição, foi reconhecido para todos o direito à saúde.
Além desse sistema trabalhar integralmente com a saúde, também oferece cuidados assistenciais, dando direito a cuidados e prevenções à tratamentos para todos os cidadãos, tendo sempre como foco a qualidade de vida da população e a igualdade de direitos.
Para a proteção e progresso da saúde no Brasil, a constituição atribuiu ao SUS a coordenação e execução das políticas vinculadas ao sistema. Embora haja uma previsão constitucional sobre o funcionamento e procedimentos do SUS, foi necessária a elaboração de leis inerentes à saúde, sendo elas a Lei Federal 8.080, de 19 de setembro de 1990 e a Lei Federal 8.142 de 28 de dezembro de 1990.
No que se refere às atribuições do SUS, a Lei Federal 8.080 sustenta as normas constitucionais e complementa com outros deveres no art. 6º da CF, destacando-se a assistência terapêutica integral, bem como elaboração de políticas de medicamentos, financiamento da saúde e incentivo ao avanço tecnológico e científico no campo da saúde.
No que diz respeito ao direito da saúde, todo e qualquer indivíduo tem o direito de desfrutar dos serviços do SUS, tendo ou não condições financeiras para arcar com despesas referentes à saúde de forma privada, visto que há pessoas que contratam um plano privado de saúde, não podendo ser negado à elas a assistência do SUS.
3.3 Pandemia da Covid 19
A OMS foi alertada sobre o coronavírus no dia 31 de dezembro de 2019, em que na cidade de Wuhan, província de Hubei, na República Popular da China, foram identificados casos de uma pneumonia, que se tratava de uma nova cepa nunca detectada antes em seres humanos. Posteriormente, no dia 07 de janeiro de 2020, as autoridades chinesas confirmaram o novo coronavírus.
O cenário pandêmico enfrentado por vários países devido a pandemia da COVID-19, doença causada pelo novo coronavírus (Sars-Cov-2), foi declarado oficialmente pela Organização Mundial de Saúde (OMS) no dia 11 de março de 2020. Desde estão, iniciou-se uma quarentena em todo o país com o intuito de disseminar o vírus, todavia ainda estamos com restrições até o dia de hoje.
Em consequência da má administração e pela falta de responsabilidade afetiva doe muitos, os casos em todo o mundo já passaram dos 190 milhões, gerando mais de 4 milhões de mortes. Só no território brasileiro foram mais de 500 mil mortos, sendo perdas irreparáveis.
Devido esse momento atípico no Brasil, foram esquecidos alguns princípios constitucionais e fundamentos, não sendo preservados os direitos humanos. É evidente que para a efetivação do direito à saúde, necessita-se de políticas públicas e recursos econômicos, bem como é inegável que o Estado não teria como satisfazer todas as necessidades sociais, em virtude do suporte financeiro insuficiente.
Por ser uma situação atípica de ordem mundial, a pandemia da COVID-19 aumentou a busca pelo judiciário com a finalidade de preservar o direito à saúde, em razão da falta de vagas e superlotações em hospitais. Na apreciação judicial, deve-se levar em conta, ao menos, o “mínimo existencial”, sendo indispensável para a dignidade da pessoa humana.
Nesse sentido, o Brasil e os demais países estão desacelerando e combatendo o vírus por meio de vacinas e restrições muito rigorosas. Há países, como por exemplo os Estados Unidos, que está vivendo o período pós-pandemia, com a volta de festas, aglomerações e diversas regalias.
4 PRINCÍPIO DA RESERVA DO POSSÍVEL
No direito, o princípio da reserva do possível surgiu como uma maneira de limitar o exercício do Estado no campo da execução de direitos sociais e fundamentais, valorizando o direito de toda a população.
Este princípio se originou em 1972 no Tribunal Federal da Alemanha, no decorrer de um julgamento do caso conhecido como “Numerus Clausus”, mais conhecido como número limitado. O instituto tem origem na doutrina constitucionalista alemã, em uma limitação de acesso ao ensino universitário de um estudante.
No caso, a Corte alemã averiguou uma causa judicial proposta por estudantes que não haviam sido aceitos em escolas de medicina em Hamburgo e Munique devido a política de limitação do número de vagas em cursos superiores adotada pela Alemanha em 1960. A petição foi elaborada com fundamento no artigo 12 da Lei Fundamental daquele Estado, o qual estabelece que todos os alemães têm o direito de escolher espontaneamente sua profissão, formação e local de trabalho.
O Tribunal Constitucional, ao decidir a questão, constatou-se que o direito à prestação positiva, o acréscimo de número de vagas na universidade, sujeita-se à reserva do possível, em relação àquilo que o cidadão pode esperar da sociedade, de modo racional.
Na maioria dos casos no Brasil, procura-se evidenciar o fator econômico, sendo que para o Poder Público, algumas necessidades devem ser observadas as limitações de recurso, sempre baseados na necessidade e razoabilidade de cada situação, ou seja, deve ser considerado os limites das possibilidades que o Estado tem para os pedidos, dado que os direitos fundamentais consistem de prestações financiadas pelos cofres públicos.
Além do fundamento financeiro e econômico, está associada a escassez de recursos públicos, como maneira de isentar a omissão do Estado no cumprimento de algumas obrigações constitucionais.
Todos os direitos demandam custos ao Estado. Na atual circunstância do Brasil, é evidente que existem limitações às prestações reconhecidas pelas normas de direitos fundamentais sociais, tendo em vista a escassez de recursos e o endividamento público.
Este mecanismo muito utilizado pelo poder estatal, abrange as possibilidades financeiras do Estado para a concretização dos direitos sociais, além da importância do direito a ser fornecido (razoabilidade da pretensão).
Observa-se que a reserva do possível está ligada à escassez, visto que bens escassos não podem ser usufruídos por todos, dessa maneira, a distribuição deve ser feita mediante regras que preveem o direito à igualdade. Assim sendo, deve-se resultar em uma escolha, se não há recursos suficientes, cabe ao Estado administrar e decidir qual área irá investir em detrimento de outra.
Dessa maneira, numa avaliação preliminar, o princípio da reserva do possível não pode ser utilizado para se opor à efetivação dos direitos fundamentais. À vista dos direitos serem intimamente ligados à dignidade humana, não é possível qualquer limitação em razão da escassez.
As possibilidades orçamentárias do Estado precisam ser analisadas. Sendo assim, nesta análise de gastos e receitas, é necessário que a divisão seja realizada em ordem de importância, tendo a saúde como uma das principais prioridades.
Na perspectiva jurídica, a reserva do possível requer a necessidade de dotação orçamentária preliminar como limite à execução imediata de decisão judicial referente a políticas públicas.
Mesmo que a reserva do possível não sobressaia sobre o mínimo existencial, não se pode afastar da apreciação ao princípio da reserva do orçamento. Os direitos econômicos e sociais são garantidos mediante concessão legislativa.
Atualmente a jurisprudência está decidindo no sentido de distanciar a simples alegação de reserva do possível quando choca com a efetivação de direitos fundamentais, dessa forma requer do Poder Público a comprovação de carência de recursos.
5 PRINCÍPIO DO MÍNIMO EXISTENCIAL
O mínimo existencial é um princípio constitucional relacionado com o básico para a existência da vida humana, sendo um direito fundamental e essencial, garantido pela Constituição Federal
É um princípio que acompanha a humanidade, visto que todo ser humano, desde o nascimento detém o direito a uma vida digna, tendo que ser respeitado por todos. À vista disso, utiliza-se a teoria do mínimo existencial como fundamento para a realização de algum ato prestacional não executado pelo Estado.
É evidente que o Poder Público deve garantir, de maneira eficaz, que os direitos fundamentais sejam aplicados, visto que sem o mínimo existencial, os indivíduos não conseguem ter uma vida digna.
Qualquer direito mínimo não se pode transformar em mínimo existencial, dado que deve ser um direito à existência digna, sem este não há possibilidade de sobrevivência humana e cessam as circunstâncias iniciais de liberdade, ferindo o direito à vida.
Todavia, diante do crescimento significativo de direitos fundamentais e garantias para o povo, também houve uma escassez de recursos estatais. À vista disso, em diversas situações em que um direito fundamental detém o amparo do mínimo existencial, o Estado aponta que deverão ser observados os recursos disponíveis. Dessa maneira, ressalta-se que o Poder Público realiza apenas o que está dentro de seus limites orçamentários.
O mínimo existencial é exigível do Estado, acarretando para este a responsabilidade de entregar para quem necessita, uma prestação de serviço público independentemente do pagamento de qualquer tributo. Se for violado esse direito por ação ou omissão do Poder Público, nasce para o cidadão o direito de pleitear via jurisdicional.
Destaca-se que o mínimo de dignidade para a vida humana deve ser garantido, sendo que o poder estatal não pode se escusar da garantia dos direitos fundamentais constitucionais, mesmo na ausência de recursos.
Portanto, o indivíduo que não for beneficiado com o direito do mínimo existencial e se prejudicar perante isso, poderá ingressar com medidas judiciais apropriadas para a garantia do princípio acima destacado, mesmo que o Estado tenha como aliado o princípio da reserva do possível.
6 CONCLUSÃO
O direito à saúde é um direito fundamental social inerente à vida, devendo ser assegurado pelo Estado, de acordo com o disposto no artigo 196 da Constituição Federal. Ressalta-se que para a melhora ao acesso à saúde, o Poder Público criou o Sistema Único de Saúde – SUS, cabendo à União, estados e municípios, garantir a prestação do direito à saúde, disponibilizando postos de saúdes, hospitais, fornecimento de medicamentos e entres outros recursos que possibilitem o atendimento para toda a população.
À vista disso, devido a limitação de recursos do Estado, deve ser obedecido o princípio da reserva do possível, sendo levado em consideração a real necessidade do cidadão, a distributividade dos recursos e a efetividade do serviço, no intuito de assegurar o direito, bem como, obedecer ao mínimo existencial, preservando o direito da população promovendo ao menos condições indispensáveis para a sobrevivência, tendo em conta a necessidade do cidadão e a possibilidade do Poder Público.
Todavia, a ideia encontrada no princípio da reserva do possível não pode gerar a escusa do Estado em executar as políticas públicas que possibilitem a efetivação dos direitos sociais, não permitindo que o governo fique inativo. Desse modo, é imprescindível que o Estado demonstre que o oferecimento do direito à saúde ao cidadão não prejudique outros direitos relacionados com o mínimo existencial, sendo preservada a dignidade da pessoa humana.
É dever do Estado promover o mínimo existencial para toda a população, no entanto, usa o princípio da reserva do possível, para se justificar por não haver recursos suficientes, não responsabilizando o Poder Público pela não concretização dos direitos garantidos constitucionalmente.
Diante disso, deve ser levado em consideração a reserva do possível, no entanto sempre deve ser preservado o mínimo existencial, com as condições mínimas para a sobrevivência humana, fazendo uma avaliação de valores, no intuito de que os direitos sejam efetivamente garantidos.
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Bacharelanda em Direito pelo Centro Universitário de Santa Fé do Sul (UNIFUNEC)
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: PRATES, GABRIELLI BIANCA BORGES. Direitos fundamentais e princípios garantidos ao ser humano: associação com a pandemia da covid-19 Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 14 jun 2022, 04:09. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos /58674/direitos-fundamentais-e-princpios-garantidos-ao-ser-humano-associao-com-a-pandemia-da-covid-19. Acesso em: 28 dez 2024.
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